domingo, 19 de fevereiro de 2012

Eu também tenho uma boa receita

Era gente boa, tinha papo bom, variado. Sabia cozinhar divinamente - ainda que não chegasse aos pés da comida da Ginu. Tinha tempo para tomar café comigo, ir à mostra de cinema comigo, na época em que eu também tinha esse tempo pra gastar. Falava pelos cotovelos, sabia de tudo. E sabia mesmo, porque ia atrás, fuçava, pesquisava seriamente, até esgotar. Original e inteligente. O ruim é que sabia disso. Falava que eu era uma amiga perfeita - eu ouvia, fazia companhia, topava as loucuras de passeios - gastronômicos, culturais, de viagem - com ele. Porque era legal pra caramba mesmo, eram sempre descobertas interessantes, e era legal ter um amigo de verdade, de quem você quer ser só amigo (e isso lá é pouca coisa?), ainda  que todo mundo achasse estranho e impossível de acontecer tanto para ele quanto para mim. Era uma pessoa que eu gostava muito, mas que gostava mais de si mesma. Não perguntava de mim, o que eu tinha feito naqueles dias, o que eu contava de novo, o que eu achava disso ou daquilo, se eu também não tinha uma nova receita para testar, como eu estava de verdade. Eu devia me contentar em ser um bom ouvido. Eu tenho superaudição, sabe. O que não deixa de ser irônico, considerando as deficiências auditivas da família. Sou reservada por natureza. Não confio em qualquer um. Herança de sangue e de jeito da vovó que eu tanto amo e tanto critico e com quem aprendo tanto. A pessoa que quer que eu confie nela precisa se esforçar bastante - é, a pessoa precisa me conquistar. Preciso saber que a pessoa está ouvindo com o coração também. Que se importa. E não era o caso. Acho que isso daria muito trabalho, ia parar de ser coadjuvante, não ia mais ter graça. Parei de pensar nele como meu padrinho em um dos dias mais importantes da minha vida. Parei de estar disponível. Parei de ouvir. Era o meu jeito de provocar o caminho inverso. Boba, eu. Claro que não funcionou. Cada um tomou seu rumo. ele achou outra pessoa que substituísse minhas funções do dia-a-dia. Alguém ainda disposto a ser só ouvido, ombro, que não exigisse nada em troca. Eu fui mesmo muito ousada em pedir reciprocidade. O carinho, de minha parte, continua, não tem como não ter carinho por quem você (acha que) foi tão próxima. Já carreguei uma desilusão, hoje tenho medo pois começa a virar desdém, um passo antes de nada mais importar.  Só sei que não faz mais sentido eu ligar para ele só para dizer que ele deveria deixar o cabelo mais cumprido, desse jeito que está os cachos desaparecem e a foto na coluna social não fica tão boa como poderia ficar. Acho que como todos os outros assuntos, eu também fui um assunto que esgotou na mente dele.

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