quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Viagens em torno de uma barriga

Esta postagem é direcionada a vocês que se enquadrem na seguinte situação:
  • Meninas
  • Nascidas nos anos 80 (baixo 80, e não coisas obscenas tipo 1988 ou 89)
  • Que tenham passado a infância no Brasil
  • Que estavam sujeitas às seduções dos comerciais de brinquedos nos intervalos dos desenhos animados que passavam na Globo à tarde
  • Que, embebidas e enebriadas pelo espírito sedutor das malditas campanhas dos publicitários (pessoas vis!), pediram de Natal - e, se foram boazinhas e se seus pais também foram bonzinhos com vocês, ganharam a boneca Ganha Nenê (na verdade eu acho que era o nome dela, mas talvez não seja).
Para quem não lembra, era uma boneca de uns 70 cm de altura, obviamente loira, que tinha uma barriga de grávida removível. Você poderia tirar a barriga - sem anestesia, sem dó - e, lá dentro, voilà, tinha um bebezinho lindo. Também obviamente branquelinho,  curiosamente sem sexo, sem cabelo, sem cara de amassado, sem lanugo, sem cordão umbilical para cortar, sem verniz caseoso, enfim, um bebê johnson versão brinquedo.

Tirando o bebê, você podia pegar a barriga que estava jogada de lado no chão do quarto (no meu caso, o chão do nosso quarto de criança era o máximo: eram umas tiras de fórmica branca, e aí a gente podia desenhar nelas e fazer a maior zona, que isso era incrivelmente eliminado no fim do dia pela fantástica combinação rodo+poção mágica misteriosa da Ginu), e colocá-la de novo na boneca. Mas aí olha o detalhe - do outro lado da barriga de grávida, tinha uma barriga tanquinho, linda. Sem flacidez, sem estrias, incrivelmente Bundchen.

Aí, minutos depois do parto, você tinha em suas mãos um bebê johnson recém saído da mamãe Gisele. Sem sangue, claro. Afinal, era brinquedo, não reality show ou episódio do Dexter.

Olha, eu adorava essa boneca. Ganhei de Natal uma vez e fiquei fascinada. Era o máximo aquilo tudo. Talvez porque eu estivesse seduzida pela magia dos comerciais de TV, talvez por pura inocência infantil, conscientemente nunca me incomodou que só tivesse a opção loira da boneca, que ela, coitadinha, só podia dar a luz com parto cesárea (e ficasse com um corte enorme formando uma circunferência em toda a barriga), que o bebê não tivesse nada a ver com um bebê de verdade, que o corpo dela voltasse à forma tão rapidamente, enfim, todas essas coisas que estou pensando agora.

Vocês sabem que eu sou super cética com essa mania de bullying. E que critico abertamente o fim dos cigarrinhos de chocolate com aquele menino neguinho lindo na embalagem, porque aquilo não fez ninguém fumar ou deixar de fumar. E que eu vou ensinar ao meu filho o "Atirei o Pau no Gato" original. Mas tem algumas coisas que evoluíram desde a minha infância que sou muito grata.

Hoje vemos com mais frequência brinquedos educativos e unissex, bonecas de pano (quase) como antigamente, mães que não abrem mão da modernidade mas que estão valorizando o reaproveitamento de materiais para criar brinquedos, diálogos mais abertos e sinceros com crianças (que estão cada vez mais espertas!), bonecos com cabelo pixaim, olhos puxados, negros.

Eu e a minha irmã tínhamos um boneco negro cada uma, e adorávamos, porque era diferente. Acho que foi muito legal dos nossos pais procurar isso e nos presentear, para vermos a "diversidade", mas, mesmo assim, a escassez na oferta era tanta que o negro ainda era o "diferente", e não era - como deveria ser - mais um entre nossos bonecos.

E aí que eu comecei a escrever achando que eu ia enveredar pro lado estético e mágico do fim da gravidez - imagina que beleza você ter o seu corpo de volta minutos depois de dar à luz a um bebezinho fofo e saudável. E no fim já estou pensando em como eu gostaria de conseguir equilibrar a infância feliz que eu tive com as coisas boas de atualmente e oferecê-las ao nosso filho sem essa nóia toda de ser politicamente correto o tempo todo, mas mostrando a ele uma versão infantil e lúdica, porém verdadeira, da nossa realidade adulta. Fácil, né. Aceito sugestões.

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